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20 maio 2017

Budweiser

Há tanta, mas tanta beleza no mundo, que sinto ser uma pena cada canto do meu olho preocupar-se apenas com meu pequeno mundo. O beijo na testa do "tenha um bom dia de trabalho" da esposa ao marido no despedir matinal, o abraço materno do reencontro já deveras inesperado com o amado filho desaparecido há vários anos, o desaguar lacrimal do irmão à irmã no descer à sepultura, e todas as dores que a gente aprende a gestar desde a hora de abandonar a barriga quentinha da mãe até o descer à fria própria sepultura. Há tanta beleza no mundo, fervilhando em dias líquidos de dor e tristeza, de aprendizados e decepções, que fico triste de perceber só agora que todas estas belezas que me somam à cabeça são num primeiro momento sempre tristes, todas derivadas em tristeza, onde e quando foi que desaprendi a enxergar o belo e a poesia na alegria? Sempre percebi a solidão alheia dos transeuntes nos meus pequenos espaços urbanos e a pressa em viverem e cumprirem suas vidas rumo ao fim inevitável, como ovelhas silenciosas ao matadouro, vejo que tudo é tão vivo, tudo é tão rico, tudo parece sempre tão belo e tão triste, tanta efemeridade, e cada canto do meu olho só insiste em olhar sob meu próprio prisma... pobre de mim. Há tanta beleza no mundo, que sinto ser uma pena que cada canto do meu olho insista sempre em enxergar apenas o meu pequeno pobre mundo.

15 fevereiro 2017

Bem de longe



Olha aqui, moça do cheiro de nuvem chorona, eu vou te seguir, por aqui e ali, por todas as esquinas e ruas desperdiçadas pela falta que sua presença desenha em minha vida, vou te seguir imerso nessa necessidade de te dizer que quero que venha para minha casa quando for fim de tarde, para que você possa entrar definitivamente em meus dias, e em minhas manhãs, nas minhas noites, em todas as madrugadas, e até que o relógio do ponteiro sofra de Alzheimer e desaprenda a mentir as horas. É que eu tenho esse problema no peito, sabe, de me perder de paixão por tudo o que está pré-determinado a não me querer, e o teu problema é não saber disso, ou daquilo, ou de nada que venha de mim, a única coisa sobre mim que sabes tu é que não me queres, e mesmo entre todas essas idas e vindas da vida, vejo que até hoje, você nunca veio aqui pela tarde, ou pela noite, ainda que nua em pelo, nem de roupa alguma, e veja, vir a mim é tudo o que esperava eu de ti. Um dia eu te vi ao longe, e acabei parando pertinho de você fingindo procurar por aquilo que nunca perdi, um daqueles medos que costumamos carregar nos bolsos de trás da calça, foi a primeira vez que senti aquele cheiro de choro de nuvem que tua presença alva exala, e você não sabia de mim, quem eu era, quem fui, quem eu sou, seria ou porque estava ali, não me importei muito, tenho quarenta e quase um, e ainda não sei também. Tenho assim quase quarenta e um, mas é um quarenta quase um, sabe, como um de uma criança, bobagem comum a toda criança, tantos e tão poucos anos, e ainda também não sei, mas quem sabe? Você bem já aprendeu que o mundo faz a gente chorar, faz a gente chover para dentro, o mundo vai te fazer chorar, eu já chorei tanto, e de todo tipo de tristeza possível que parece que já nasci ensinando, nem precisava do mundo, e acabei alimentando em mim esse desejo perene de querer falar sobre a tristeza, essa companheira fiel e inseparável de todas as horas, nela fiquei especialista, eu não sei ser otimista longe do cheiro de nuvem chorosa que uma vez senti em você. Olha aqui, moça que exala cheiro de nuvem que chora, eu vou te seguir, por aqui e ali, por todas as esquinas e ruas desperdiçadas pela falta que sua presença deságua em minha vida, e saiba que hoje foi o primeiro dia do ano com algum esboço de chuva aqui na minha cidade, e aqui, bem aqui em mim...