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26 junho 2008

Uma rua chamada saudade

Posted on 6/26/2008 04:53:00 PM by Théo, desarmado por um sorriso..



Descendo na contramão dos carros, tendo os pés fugindo da vista, pelo mesmo passeio que sabia de cor a medida dos meus passos, lá vou eu para o trabalho outra vez. O Biongo era um bar que dava gosto em frente passar, quando era este do outro lado da rua vinha muita gente repensar a vida nas cores de suas mesas e no frio dos seus copos que imitavam cristal, jovens corações amantes, perdidos de paixão e desejo se entreolhavam com juras de amor sem fim, ignorados pelos garçons suando em desespero de verão, e que em meio a malabarismos de bandejas tentavam sorrir pra disfarçarem a confusão quanto aos pedidos e numerações das mesas, agora, esse mesmo ambiente antes fervilhante de sorrisos e conversas vespertinas, nada mais é que uma tentativa agonizante de manter-se funcionando sem clientes, tudo culpa do proprietário. Sempre gostei como os olhos dos boêmios se perdem antes mesmo de chegarem à esquina, não enxergam nada que possa ser visto, apenas o que ninguém mais vê é percebido. Em frente à casa de Pedro Henrique, o que antes era a de Lucciano, agora fomenta o comércio e o desenvolvimento no que outrora era moradia de sonhos e vidas radiantes, um bairro conhecido pela calma e cumplicidade de seus moradores, vizinhos que estendiam as mãos para acompanhar o “bom dia”, hoje, apenas lembranças no concreto que muda suas formas sem perceber a dor no coração da gente. Uma clínica no lugar onde aprendi a ouvir meu silêncio, dois ou três escritórios no lugar onde escrevi minhas primeiras cartas de amor, advogados e seus sapatos sempre muito limpos disputando espaço onde antes eu rolava de rir e corria do perdigueiro que era o xodó de todos. A grama ainda existe, mas guardada por muros mais novos, daqui, do outro lado da rua, posso avistar o mesmo abacateiro de folhas grandes e tristes, que ainda hoje, se olho muito, choro, também sinto falta dos coqueiros que me falavam das suas saudades de uma ilha que jamais conheceram e do afiar de unhas do gato Tygra. E foi em frente a esta agora clínica que encontrei um contemporâneo tão saudosista quanto eu, não o percebi por andar sempre olhando pros meus pés, mas ele me chamou, e quando fraternalmente me abraçou disse que chorava sempre de saudade do nosso tempo de sol brilhante, rimos um pouco de algumas boas lembranças e nos entristecemos da dor da adultice crônica, mas já acostumados somos ao fim das coisas.
Ainda posso ver Fábio correr para a esquina, só para imitar o avô reclamando do contador de luz, ele podia fazer isso o dia todo, que ainda à noite estaríamos gargalhando. E lá vou eu pelo passeio onde aprendi a ter o coração cheio de sonhos e nunca deixei de entender os motivos de se ter os olhos rasos d’água.
Descendo na contramão dos carros, tendo os pés fugindo da vista, pelo mesmo passeio que sabia de cor a medida dos meus passos, lá vou eu para o trabalho outra vez.



*Taygra afiando unhas



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