24 novembro 2005
Linhas de expressão
Posted on 11/24/2005 07:45:00 PM by Pedro Neiva
Recordava-se agora que era velho, era velho mas sua mente era jovem, ali sentado ao banco de uma praça qualquer, entretido com o vai e vem das pessoas, olhar eclipsado, calmo, terno como um cervo, terno como o brilho de um espelho d´água plácido... Lembrou-se do tempo em que temia a vida e o futuro, lembrou-se das incertezas dissolvidas com o passar do tempo, dos anos... Estava amadurecido, entendia agora o sentido das coisas que o cercava, diferentes mas seguindo um mesmo princípio.
Quase não fumava, mantinha estendido nos dedos o cigarro como algo ilustrativo, sua presença era o bastante, num desses momentos em que nossas mentes viajam em pensamentos felizes, fumar era o que menos importava... Lembranças, ahh as belas lembranças, todos nós as temos guardadas em nossas mentes. Certas vezes esquecemos delas, outras vezes são apagadas pelas dores. Esse velho senhor sentado ao banco estava mais radiante que de costume, a vida o ensinou que a sincronia “homem e tempo” só se torna absoluta quando a idade avança, é uma forma natural de compensar a perda de um ritmo cósmico e físico mundano, o tempo não, este não se sabe nem se estabelece idade, então decidiu ser como o tempo, ser implacável e forte, decidiu viver eternamente como ele nas cabeças de quem lhe foi próximo e íntimo.
Cada ruga – pensava – valia a pena, cada dobra, cada expressão, cada falha momentânea de memória, almoçar com uma colher das de chá?¹, cada segundo pausado por recordações, cada dor lombar e tosse insistente... Mais insistente era ele, ancião saudosista e não melancólico... Melancólico apenas quando chovia à noite. Plantar árvores?² Mais valia plantar alegrias nos corações humanos, pensava ele. Seis da tarde, hora de voltar pra casa e no caminho, a padaria o esperava como um velho amigo imortal.
¹ Quando se vai fazer uma refeição e escolhemos na gaveta, os talheres errados por algum motivo desconhecido.
² Referência ao ditado no qual se diz que um homem antes de falecer, deve: ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore.
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