Costumava ficar até tarde da noite, esperando todos dormirem,
só para sentir um pouco do gosto da liberdade que imaginava teria para sempre
com a maioridade. Desde cedo entendeu que seu lugar mais confortável
esboçava-se no vazio na alma que a falta de móveis de uma casa pode causar. Sua
casa era um tipo de moradia intrometida, daquelas que a gente vai aceitando aos
poucos pela insistência em fazer parte da nossa vida, mesmo quando não
concordamos. Era uma casa que incomodava as raras visitas com a velhice de seu
teto de telhas deprimidas e pelas feridas úmidas de suas paredes senis. Era também
um pouco refúgio, mas muito mais, objeto de opróbrio, pela qual nutria uma
vergonha instante que o ameaçava constantemente acompanhá-lo por toda sua vida.
Toda sua vida, esta cabia na palma da sua mão, era tudo o que ele pudesse
segurar com apenas uma delas, nada mais possuía. Ainda assim, vivia ele numa
época áurea, tempos que deviam voltar para alegrar outra vez um coração que
alcançou a maioridade tão somente pela contagem dos dias. Uma época onde costumava
o céu chorar com muito mais freqüência, e era um choro lindo, como os de
saudade de quem foi embora, sem nunca ter saído de dentro da gente. Lembro que
alguns dos mais queridos amigos faziam de tudo para escapar das semiprisões maternas que do mundo nos
queria privar por medo de nos machucarmos, e em meio a algazarras vespertinas
íamos percorrendo todas as ruas do bairro, colhendo com a pele todos os pingos
de chuva possíveis. Assim era a década
de oitenta, a mais fascinante que houve. De tudo o que vivi até hoje, guardo muito,
um oceano gelado de tristezas cinzas, mas também um Plano Galáctico de dias
felizes.
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